Em mais uma manhã rotineira, Cristina arruma seu filho para levá-lo até a escola primária. Ela espera mais um dia comum atravessando o parque, mas é surpreendida quando seu filho se afeiçoa por um cãozinho que acompanha um passante. Eles trocam algumas frases por educação como “bom dia”, “como está o senhor hoje?”, “este cãozinho é seu?” e seguem seus caminhos.
Os dias seguintes desenrolaram uma rotina um pouco diferente do que Cristina estava acostumada. Eles sempre encontravam o homem e seu cachorro, seu filho Arturo sempre parava para brincar com o novo amiguinho, enquanto ela e o homem trocavam algumas palavras. Palavras essas que foram evoluindo para uma conversa e depois para boas risadas.
Márcio foi gostando de como as coisas iam evoluindo. A cada dia, ele conseguia passar mais alguns minutos com aquela mulher encantadora e, às vezes, conseguia até mesmo arrancar algumas risadas dela. E ah... que risada maravilhosa. Ela enchia o coração machucado dele.
Já tinham se passado cinco semanas e os dois nutriam um sentimento de encantamento sobre aqueles encontros. Parecia uma cena de filme. Aqueles dois, se encontrando um no outro cada vez mais, por uma coincidência do destino.
Novamente Cristina e seu filho o encontraram com o seu cachorro. Ah que sorte a dela o Arturo gostar tanto dos bichinhos que encontra por aí. É difícil para ela confessar, mas esses encontros têm sido o ponto alto do seu dia. Todos as noites dorme aflita e acorda mais ainda, ansiando pelo encontro com Márcio. As vezes seu filho fica até mesmo em segundo plano, “me perco nas palavras dele e não vejo os minutos passarem” – pensa.
Para a sua sorte, hoje Márcio acordou mais corajoso do que nunca. Ele está decidido a convidá-la para jantar. Vem tentando puxar esse assunto há dias, mas a sua insegurança o impede. “Será que ela tem um marido? Será que está pronta para algo mais além de conversas apressadas no parque? Não sei, nossos papos sempre têm sido muito superficiais. Ai como eu gostaria de me aprofundar com Cristina, conhecer seus amores, suas dores... vai ser hoje!” – pensou ele com o coração apertado.
A conversa desenrola da mesma forma de sempre e a coragem dele vai se esvaindo a cada minuto que passa. Finalmente Cristina avisa que já está na hora de irem embora, a escola de Arturo já estava no limite com seus atrasos diários. Essa era a sua última chance. E num rompante até meio brusco, ele finalmente a convida: “vamos sair essa noite?”. Ufa! Quase que ele não conseguiu.
Cristina não sabia o que dizer. Aquelas palavras, ditas quase que em desespero, acalmaram o seu coração aflito. Cristina respondeu quase em choque que aceitava. E ele, com o coração aliviado gritou:
- Te espero no La Cucina às 19h, mal posso esperar para te ver de novo.
Quando ela conseguiu processar tudo aqui, já estava na frente da escola de Arturo, era hora de deixar o filho e pensar em como aquela manhã estava se desenrolando de uma forma totalmente inesperada.
Cristina liga para a melhor amiga e pede que fique com Arturo naquela noite. Ela passa o dia bastante aflita, contando as horas. O tempo foi passando, ela pensou delicadamente em cada detalhe. A cor da roupa, o caimento dela, a maquiagem, os sapatos mais apropriados... até mesmo o perfume foi pensando em Márcio, se ele iria gostar, se aquele detalhe iria fazer com que ele se apaixonasse por ela.
Márcio também estava ansioso, havia se programado para sair cedo do trabalho, queria estar à altura da mulher que o esperava. Foi para casa, tomou um banho e às 18h30 já estava pronto. Mas faltava algo... ele lembrou de como Cristina gostava das rosas do parque, e ele tinha visto algumas lindas na floricultura do outro lado da cidade. Foi aí que tomou a decisão, iria atravessar a cidade e lhe comprar aquelas rosa, afinal, ela merecia, e muito. Ligou para o restaurante e pediu que lhe deixassem uma rosa e um bilhete, como desculpa pelo atraso, e partiu na sua jornada.
Eram 18h40, Cristina morava perto do restaurante, mas já foi logo pegando a chave do carro. Afinal, era mais fácil chegar adiantada do que fazê-lo esperar. Ela não queria deixar má impressão logo no primeiro encontro. Já eram 19h15 quando ela chegou no restaurante, levou um pouco mais do que o esperado para o trajeto, mas precisou fazer um desvio por causa de um acidente que acabara de acontecer no seu caminho atual. Ela não gostava de presenciar essas coisas, então tomou uma rota alternativa, mesmo que isso lhe tomasse alguns minutos a mais.
Ao sentar-se na mesa, viu que ele tinha tomado o cuidado para pedir que o restaurante a servisse uma taça de vinho e que lhe entregassem uma rosa vermelha junto com um bilhete. Nele dizia “Minha querida Cristina, não pude deixar de notar o quanto seus olhos se enchem de paixão quando você passa por essas flores no parque, com tanta magia e apresso. Pedi que eles lhe deixassem esse carinho em forma de desculpas pelo meu atraso. Tenho uma reunião importante, mas que não deve demorar, em alguns minutos devo estar na sua encantadora companhia. Desculpe por não lhe avisar pessoalmente, mas em nenhum momento nós trocamos nossos telefones. Afinal, eram conversas tão boas que não ligávamos para esses detalhes. Até logo!”.
Cristina só conseguia pensar em como ele era carinhoso e cavalheiro. Deixar um bilhete tão encantador justificando seu atraso. Era o carinho que ela precisava na sua vida, uma forma de curar seu coração. Mas esse sentimento foi diminuindo à medida que os minutos foram passando. Quinze minutos de atraso. Trinta minutos. Quarenta e cinco. Uma hora. Estava ficando estranho, mas ela não desistiu, pediu uma entrada e seguiu esperando. A entrada já tinha acabado, suas três taças de vinho também. O relógio já tinha anunciado que eram 21h, duas horas de atraso eram demais. Um sentimento de frustração tomou seu peito, pediu a conta e foi embora. Embriagada pelo álcool e pela sua decepção.
No outro dia, ela não o encontrou no parque. Ele deveria estar envergonhado... ou mudou de ideia e preferiu mudar a sua rota para não se encontrar mais com ela. Os três dias que se passaram foram iguais. Nada de Márcio, nada de cachorro. O quarto dia parecia que seria igual, mas no final do trajeto, uma mulher muito bonita e de aparência muito simpática passou por eles. Ela passeava com o cachorro de Márcio, ou eram muito parecidos e sua mente estava pregando uma peça? Difícil saber!
Na semana seguinte, a mesma mulher e o mesmo cachorro. Arturo pedia para brincar com o amigo, mas ela não deixava. Ainda tinha esperanças de que era só uma coincidência. A ideia de que ele tinha uma mulher e que ela havia voltado sabe-se lá de onde era quase inaceitável, aquele homem gentil e atencioso não faria isso.
Na quinta-feira daquela semana, ao passarem pela mulher, Arturo se desvencilhou de Cristina e foi correndo ao encontro de seu amigo. Aquela atitude a fez se obrigar a conversar com a mulher e se explicar. A mulher perguntou se ela conhecia Márcio e o cachorro. Ela, sem querer colocá-lo em maus lençóis disse que só eram conhecidos do parque e trocavam apenas algumas palavras enquanto Arturo brincava com o cachorro. Comovida, a mulher falou:
- Uma pena, meu irmão era tão jovem. Acredito que já saiba o que aconteceu, né?
Aquela frase fez o estômago dela embrulhar. E com muita cautela respondeu:
- Na verdade não sei, ele parou de aparecer. Arturo estava bastante triste, na verdade. Vinha me pedindo para brincar com o cachorro, mas eu não tinha certeza se se tratava do mesmo.
- Pobre menino – disse ela - Márcio saia do trabalho na semana passada, estava em uma rota diferente da que ele faz para casa, acho que iria encontrar alguém. Pobre homem, entrou com o carro num poste e lá ficou.
Quanta sensibilidade na narrativa.
Imaginei todas as cenas na cabeça 🥰
Triste fim para uma história bela. Parabéns.